Desde março de 2025, o Hospital Israelita Albert Einstein oferece no Brasil um procedimento não invasivo baseado em ultrassom focalizado de alta intensidade, conhecido como HIFU (High-Intensity Focused Ultrasound), voltado ao tratamento de tremores associados ao Parkinson e ao tremor essencial. O método utiliza ondas sonoras para gerar uma lesão térmica controlada em regiões específicas do cérebro, e relatos indicam redução de até 70% nos tremores em apenas uma sessão. A Anvisa já concedeu autorização para seu uso terapêutico.
É uma novidade que merece atenção porque altera um sintoma que pode dominar a vida diária de muitas pessoas — aquele tremor constante nas mãos, no queixo ou em partes do corpo que compromete gestos simples, a independência e a autoestima. Para quem convive com essas limitações, uma diminuição significativa dos tremores pode devolver autonomia em tarefas cotidianas, como segurar um copo ou abotoar uma camisa.
Mas nem tudo é brilho tecnológico. É preciso olhar para os riscos, restrições e quem de fato se beneficia. A doença de Alzheimer às vezes vem acompanhada de tremores, mas não é seu sintoma principal. Neste artigo vamos explorar como essa tecnologia se encaixa — ou não — no universo do Alzheimer, e como os avanços se relacionam com o cuidado humano e o respeito à complexidade da doença.
O que é HIFU e como funciona?
Imagine usar som para consertar algo que treme. Não é um remendo visível, é uma intervenção precisa no interior do cérebro. Essa imagem ajuda a entender o HIFU, que significa ultrassom focalizado de alta intensidade. Ondas sonoras convergem em um ponto muito pequeno e geram calor localizado, como uma lupa que concentra luz.
O procedimento é guiado por ressonância magnética. O paciente deita-se e um “capacete” com transdutores é colocado sobre a cabeça. Muitas vezes é necessário raspar pequenas áreas do couro cabeludo para melhorar o contato. Os médicos usam imagens em tempo real para direcionar os feixes de ultrassom ao alvo. Antes da aplicação definitiva, realizam-se sonicações de teste com intensidades baixas para avaliar respostas e mapear efeitos. Só então aumenta-se a energia para criar o aquecimento controlado que promove a ablação térmica do tecido alvo.
Os alvos costumam ser núcleos envolvidos no circuito do tremor, regiões profundas do tálamo ou estruturas motoras pequenas. O objetivo é interromper a passagem disfuncional de sinais que provocam os movimentos involuntários nas mãos, no queixo ou no braço. Como a alteração é física e direta, muitos pacientes sentem redução do tremor já nas primeiras sonicações efetivas.
Quando dizemos que o HIFU é não invasivo, não queremos dizer que seja temporário. Não há corte nem introdução de eletrodos, mas a lesão criada é intencional e duradoura. Por isso o procedimento exige planejamento cuidadoso, imagens de alta qualidade e consentimento bem informado. Durante todo o processo o paciente participa ativamente, respondendo a testes funcionais para que a equipe confirme o alvo correto e minimize riscos a áreas vizinhas.
Em poucas palavras, o HIFU transforma som em calor localizado com precisão guiada por imagem. É uma ponte entre engenharia e neurociência que oferece alívio para um sintoma que, para muita gente, interfere nas tarefas mais simples do dia a dia. O impacto pode ser grande, por isso a técnica precisa ser explicada com clareza e aplicada com prudência.
Evidência clínica: resultados e números
Os estudos clínicos[1] sobre HIFU mostram resultados que impressionam pela rapidez do efeito. Em vários ensaios controlados e séries clínicas, cerca de 60 a 90 por cento dos pacientes com Parkinson com predomínio de tremor ou com tremor essencial apresentam redução significativa dos tremores.
Em alguns trabalhos controlados[2] a resposta média relatada gira em torno de 70 por cento de redução do tremor no lado tratado. Essa melhora costuma ocorrer já durante a sessão ou nas primeiras semanas após o procedimento.
Há também dados de seguimento[3] que indicam manutenção do benefício ao longo do tempo. Em estudos com acompanhamento de vários anos, muitos pacientes mantiveram redução marcante do tremor no lado tratado por pelo menos cinco anos. Esses resultados reforçam que o efeito não é apenas imediato, mas pode ser duradouro em um grupo substancial de pacientes.
Mesmo assim, a evidência tem limites. Muitos estudos têm amostras pequenas ou são séries abertas. Ensaios randomizados existem, mas o número de participantes ainda é modesto quando comparado a pesquisas de outras terapias neurológicas. O desenho dos estudos também varia. Isso cria alguma incerteza sobre a magnitude exata do benefício em populações mais amplas e sobre quais pacientes respondem melhor.
Os efeitos adversos relatados[4] costumam ser leves a moderados e em geral transitórios. Entre os mais citados estão alterações sensoriais, sensação de formigamento e desequilíbrio. Complicações persistentes existem, mas são menos frequentes do que nas cirurgias abertas.
Em resumo, a literatura atual aponta para um efeito clínico real e muitas vezes rápido do HIFU sobre o tremor. A estimativa comum de cerca de 70 por cento de redução expressa a média observada em diferentes centros e estudos. Ao mesmo tempo, é fundamental contextualizar esses números diante das limitações metodológicas e da variabilidade individual. Estudos maiores e seguimentos longos continuam necessários para refinar expectativas e critérios de seleção.
Quem pode se beneficiar e critérios de elegibilidade
O HIFU não é para todo mundo. Na prática, os candidatos mais comuns são pessoas com tremor essencial ou com Parkinson em que o tremor é o sintoma dominante e que não respondem bem aos medicamentos. Em geral busca-se quem tem um tremor que limita atividades diárias e cuja qualidade de vida é afetada de forma clara.
Antes do procedimento faz-se uma avaliação multidisciplinar. Neurologistas investigam o histórico clínico, a intensidade do tremor e as medicações já tentadas. Imagens por ressonância magnética e exames do crânio avaliam a anatomia e a densidade óssea, porque a transmissão do ultrassom depende das características do osso. Nem todos os crânios permitem uma focalização adequada. Pacientes em uso de anticoagulantes ou com risco elevado de sangramento exigem cuidados adicionais e, muitas vezes, são considerados inadequados.
Outro ponto importante é o perfil cognitivo e a capacidade de consentir. Pessoas com demência avançada podem não entender os riscos e os benefícios, o que torna essencial o envolvimento de familiares e equipes de ética. Além disso, o HIFU costuma ser realizado de forma unilateral, o que significa que melhora o lado tratado. Para tremores severos em ambos os lados, outras estratégias podem ser mais indicadas.
Em resumo, a seleção envolve compatibilidade anatômica, falha ou intolerância a tratamentos medicamentosos, avaliação de comorbidades e capacidade de participar do procedimento e do acompanhamento. A decisão é sempre individual e tomada em equipe, com expectativas claras sobre o que o HIFU pode e não pode fazer.
Riscos, efeitos colaterais e limitações
Embora o HIFU seja descrito como não invasivo, ele não é isento de riscos. A energia aplicada cria uma lesão térmica deliberada, e essa alteração é, na prática, permanente. Por isso é fundamental que a seleção do alvo e a dosagem sejam precisas, e que o paciente receba explicações claras sobre riscos e benefícios.
Os efeitos colaterais mais frequentes são sensoriais. Muitos pacientes relatam formigamento, dormência ou alterações na sensibilidade do lado tratado. Esses sintomas costumam ser transitórios, mas em uma parcela menor eles podem persistir. Alterações no equilíbrio e na marcha também são relatadas, principalmente quando o alvo está próximo a áreas que controlam a coordenação. Casos de déficits motores ou sensoriais duradouros existem, mas são menos comuns.
Por ser geralmente feito de forma unilateral, o HIFU tende a melhorar o tremor de um lado do corpo. Para pessoas com tremor grave em ambos os lados, o benefício pode ser parcial. Além disso, o HIFU alivia o tremor, mas não trata outros sintomas do Parkinson, como rigidez, lentidão de movimentos ou declínio cognitivo. Esperanças irreais podem levar a frustração se os pacientes aguardarem ganhos além do que a técnica oferece.
Há também limitações técnicas. A eficiência do ultrassom depende das características do crânio. Em alguns pacientes a focalização é difícil e o procedimento pode não ser viável. Por fim, a experiência da equipe importa. Centros com maior volume têm protocolos mais afinados e provavelmente melhores resultados e menos complicações. O consentimento informado e o acompanhamento multidisciplinar são passos essenciais para reduzir riscos e apoiar a recuperação.
Cuidado humano: o lugar da tecnologia no cuidado
A tecnologia, como o HIFU, é uma ferramenta poderosa, mas ela deve estar a serviço da vida cotidiana do paciente e não o contrário. Em gerontologia isso significa priorizar autonomia, funcionalidade e qualidade de vida sobre métricas técnicas. Antes de propor um procedimento, a equipe deve avaliar objetivos reais do paciente e da família. Perguntas práticas importam muito. O que o paciente espera poder fazer depois do procedimento que não consegue fazer hoje? Essa meta orienta a escolha do tratamento.
O consentimento informado precisa ser ampliado. Não basta explicar risco e benefício em termos técnicos. É necessário discutir consequências permanentes da lesão térmica, a probabilidade de melhora do tremor no lado tratado e o que isso representa para atividades como comer, escrever e caminhar. Quando houver dúvida sobre capacidade de decisão, envolver um representante legal e um comitê multidisciplinar é obrigatório.
O acompanhamento pós-procedimento é parte do tratamento. Reabilitação, fisioterapia ocupacional e ajuste de medicação devem estar disponíveis e integrados. Equipes com experiência oferecem decisões mais seguras e melhores planos de reabilitação.
A tecnologia sem cuidado humano não melhora vidas de forma sustentável. A escolha por HIFU deve ser tomada dentro de um caminho clínico que inclua avaliação geriátrica, suporte familiar, planos de reabilitação e compromisso com seguimento longitudinal. Assim minimizamos riscos e maximizamos ganhos reais para quem vive com tremor.
Se este texto sobre HIFU trouxe respostas ou abriu novas perguntas, você não está sozinho. No blog do Terça da Serra você encontra outras matérias que complementam este tema: informações sobre a doença de Alzheimer, estratégias para lidar com o envelhecimento dos pais e a ansiedade filial, entre muitos outros temas que podem ser úteis para você. Navegue pelo blog e confira todas as nossas matérias!
[1] Fonte: https://www.thieme-connect.com/products/ejournals/pdf/10.1055/s-0045-1809660.pdf
[2] Fonte: https://news.virginia.edu/content/focused-ultrasound-trial-proves-promising-parkinsons-patients
[3] Fonte: https://news.virginia.edu/content/ultrasound-treatment-essential-tremor-still-effective-after-five-years
[4] Fonte: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1600159