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A importância de defender a gerodiversidade em diferentes espaços

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A idade define um tempo cronológico, fechado, mas ela não precisa delimitar a nossa experiência de vida, a nossa forma de nos posicionarmos, os lugares que podemos ocupar e muito menos a forma como devemos agir, nos vestir, nem como nos relacionarmos com o mundo.

No programa de 2020 da Globo chamado “Que história é essa, Porchat?”, a eterna apresentadora Glória Maria responde à pergunta “O que você gostaria que estivesse escrito na sua lápide quando morrer?”, e diz “não queria que constassem datas — nem de nascimento, nem de morte. Sem o ‘ano tal ao ano tal’, gostaria apenas que estivesse escrito: ‘A mulher que morreu sem idade”. Uma mulher que foi conhecida por não deixar que a idade lhe definisse ou diminuísse, fica aqui uma importante reflexão para pensarmos até que ponto a idade cronológica pode ser um peso social.

Sendo assim, hoje iremos falar sobre a importância de enxergar as pessoas para além da sua idade cronológica, onde podemos ter a oportunidade de não contar só anos de vida, mas contar experiências, olhares, pontos de vista e o quão benéfico esse conceito pode ser para uma sociedade mais inclusiva e diversa.

O que significa o conceito de “gerodiversidade”?

Gerodiversidade é, antes de tudo, a pluralidade de idades e experiências de vida que coexistem em um mesmo espaço, seja ele uma empresa, uma instituição de saúde, uma escola ou mesmo o próprio lar. Não se trata apenas de contar quantos anos alguém tem; o conceito vai muito além de números. Ele nos convida a observar e valorizar as diferentes formas de viver, aprender, trabalhar e se relacionar que cada faixa etária traz consigo. É a ideia de que envelhecer não é um problema nem uma etapa uniforme, mas uma fase da vida rica em histórias, aprendizados, perspectivas e potencial de contribuição.

Para expressar essa ideia, podemos recorrer a termos próximos, como diversidade etária, pluralidade geracional, heterogeneidade de idades ou variedade de experiências intergeracionais. Todos eles reforçam que não estamos falando apenas de idade cronológica, mas de experiências de vida, de saberes acumulados e de diferentes maneiras de se colocar no mundo.

Defender a gerodiversidade significa criar ambientes onde pessoas mais velhas possam participar ativamente, serem ouvidas, terem autonomia e sentirem que sua presença faz diferença. Em vez de invisibilizar ou reduzir a identidade de alguém à sua idade, é reconhecer que cada etapa da vida possui valor próprio e contribuições únicas. É pensar em práticas cotidianas — desde adaptar espaços físicos, oferecer oportunidades de aprendizado e trabalho, até promover representações respeitosas na mídia — que acolham essa pluralidade sem reduzir ninguém a estereótipos ou limitações.

Em suma, a gerodiversidade nos lembra que a sociedade só é completa quando todas as idades convivem, dialogam e se respeitam. Ao enxergar a riqueza das experiências de cada pessoa, criamos não apenas ambientes mais justos, mas também mais humanos, inovadores e acolhedores. É um convite para refletirmos: como podemos tornar nossos espaços mais inclusivos e garantir que cada vida, em cada idade, tenha seu valor reconhecido?

A importância de defender a gerodiversidade

Defender a gerodiversidade é muito mais do que uma questão de justiça social: é uma decisão que impacta diretamente a vida das pessoas, a qualidade dos serviços, a inovação em organizações e a forma como nos relacionamos como sociedade. Quando falamos em gerodiversidade, estamos falando de respeito às experiências acumuladas, à sabedoria adquirida e à singularidade de cada trajetória de vida, independentemente da idade. Ignorar isso não apenas diminui a dignidade de quem envelhece, mas também empobrece a sociedade como um todo.

Pensemos, por exemplo, em ambientes de trabalho. Em muitas empresas, a chegada de uma pessoa mais velha ainda é vista como um “problema” ou um desafio a ser gerenciado. Programas de desligamento precoce, estereótipos sobre produtividade e resistência a treinamento contínuo são exemplos de práticas que ignoram o valor da experiência. Ao invés disso, espaços que valorizam a pluralidade etária colhem benefícios concretos: talentos experientes podem compartilhar conhecimento, mentorias intergeracionais fortalecem equipes, e a convivência entre diferentes idades estimula criatividade e inovação. Um funcionário de 60 anos, com décadas de experiência, oferece perspectivas que jamais seriam percebidas por alguém que acabou de entrar na organização. E não se trata apenas de números ou estatísticas: trata-se de incluir vozes, reconhecer competências e criar oportunidades reais de participação.

Na saúde, o impacto é igualmente significativo. Muitos hospitais e instituições ainda operam com modelos que tratam o envelhecimento como um problema a ser “controlado”, e não como uma fase legítima da vida que exige cuidado individualizado. Práticas de gerodiversidade, ao contrário, promovem escuta ativa, decisões compartilhadas, planos de cuidado personalizados e ambientes adaptados. Quando a pessoa idosa é envolvida na definição de seu tratamento e rotina, aumenta-se o engajamento, reduz-se ansiedade, depressão e o risco de complicações, e melhora-se a adesão a tratamentos médicos. Aqui, defender a gerodiversidade é cuidar da saúde de forma integral — considerando corpo, mente e história de vida.

Espaços públicos e cidades também são locais nos quais a diversidade etária faz diferença. Cidades planejadas exclusivamente para adultos jovens ou para automóveis criam barreiras invisíveis, mas concretas, para crianças, adolescentes e idosos. Acessibilidade, mobiliário urbano adaptado, transporte seguro, áreas de lazer intergeracionais e programação cultural diversificada são exemplos de medidas que beneficiam todas as idades. A gerodiversidade urbana promove integração, fortalece laços comunitários e combate a solidão — que, hoje, é considerada uma epidemia silenciosa entre pessoas mais velhas.

A mídia e a cultura são outro campo crítico. Filmes, novelas, propagandas e redes sociais frequentemente reduzem a velhice a estereótipos: o idoso como fraqueza, como dependente ou como engraçado de forma caricata. Ao defender a gerodiversidade, exigimos representações plurais, que mostrem a riqueza de vidas vividas, os talentos que persistem e a pluralidade de experiências. Isso não apenas combate preconceitos, mas também cria referências positivas para jovens e adultos, reforçando que envelhecer não significa desaparecer da sociedade.

Mesmo em ILPIs e residenciais, a defesa da gerodiversidade transforma a rotina. Instituições que promovem participação ativa, protagonismo e autonomia de residentes, que incluem familiares e respeitam preferências individuais, constroem ambientes mais humanos e acolhedores. Pequenas mudanças, como criar momentos de diálogo, adaptar espaços físicos e valorizar atividades que conectem os idosos às suas histórias, podem mudar a experiência de vida inteira de uma pessoa. Isso reflete diretamente na autoestima, na saúde mental e na sensação de pertencimento.

O impacto da gerodiversidade também atravessa as relações interpessoais. Quando familiares, colegas de trabalho, profissionais de saúde e vizinhos passam a reconhecer o valor de cada idade, cria-se um ciclo de respeito e cuidado que se retroalimenta. A sociedade como um todo se torna mais justa, empática e resiliente. Ao enxergar cada pessoa não como um problema ou um número, mas como portadora de experiências e saberes únicos, promovemos ambientes mais colaborativos e inclusivos.

Além disso, a defesa da gerodiversidade tem um efeito direto na redução de desigualdades. Pessoas mais velhas que são preconceituosamente invisibilizadas, especialmente mulheres, negras, LGBTQIAP+ ou com deficiência, sofrem uma dupla exclusão: pela idade e por outros fatores de vulnerabilidade. Promover a gerodiversidade significa, também, lutar contra essa invisibilidade, garantindo que todos os grupos tenham voz, representação e oportunidade de participação plena na sociedade.

É importante lembrar que pequenas ações reverberam em grandes mudanças. Uma escuta atenta, um projeto de adaptação no trabalho, uma atividade intergeracional em um bairro ou mesmo uma abordagem mais cuidadosa na mídia são movimentos que fortalecem a gerodiversidade e demonstram, de forma prática, que todas as idades importam. Não se trata apenas de inclusão formal ou de cumprir normas: trata-se de transformar a percepção que temos sobre envelhecimento, valorizar trajetórias de vida e construir ambientes que acolham a diversidade etária como um todo.

As barreiras e resistências enfrentadas pela gerodiversidade

As barreiras à gerodiversidade são muitas. E quase sempre mais sutis do que pensamos. Não costumam aparecer como uma placa ou um regulamento explícito; manifestam-se em atitudes, rotinas, escolhas de projeto e nas narrativas que moldam o nosso olhar sobre a velhice. Entender essas resistências é o primeiro passo para desmontá-las. Abaixo, descrevemos os principais tipos de barreiras (práticas, simbólicas, estruturais e políticas), como elas se manifestam em diferentes espaços e sugestões concretas de como começar a contorná-las.

  1. Barreiras simbólicas: estereótipos e narrativas que invisibilizam

Uma das resistências mais profundas é cultural: a ideia de que envelhecer é sinônimo de perda, fragilidade ou “encerramento” de trajetória. Essas narrativas, reforçadas pela mídia e por conversas cotidianas, transformam as pessoas mais velhas em personagens secundários, ou em caricaturas. Quando o imaginário coletivo reduz uma pessoa à sua idade, perde-se a capacidade de reconhecer sua agência, saberes e desejos. O resultado é a exclusão velada: menos oportunidades de trabalho, menos espaço nas campanhas culturais, menos voz nas decisões familiares e institucionais.

Como enfrentar: promover representações plurais da velhice nos canais de comunicação; inserir conteúdos que mostrem pessoas mais velhas em papéis ativos; estimular projetos de coautoria em que idosos contem suas próprias histórias.

  1. Barreiras arquitetônicas e de infraestrutura

A cidade e os edifícios, muitas vezes pensados sem pluralidade etária em mente, levantam obstáculos físicos claros: calçadas irregulares, transporte público pouco acessível, falta de assentos, banheiros inadequados, escadas sem alternativas e sinalização confusa. Esses obstáculos não apenas dificultam a mobilidade, mas também enviam a mensagem de que determinados espaços não foram feitos para todas as idades.

Como enfrentar: advocacy por urbanismo inclusivo; projetos de bairro que priorizem mobilidade segura; adaptações simples e de baixo custo (assentos em pontos de ônibus, rampas, corrimãos) com participação da comunidade idosa no planejamento.

  1. Barreiras institucionais e procedimentais

Em serviços de saúde, instituições sociais e empresas, processos desenhados sem perspectiva intergeracional criam exclusão. Protocolos que não consideram preferências individuais, formulários complexos, horários rígidos de atendimento, falta de tempo para escuta e fluxos que priorizam eficiência em detrimento do cuidado são exemplos comuns. Muitas vezes, a lógica da instituição trata o idoso como “caso clínico” e não como sujeito completo.

Como enfrentar: revisar rotinas para incluir tempo de escuta e decisão compartilhada; simplificar formulários; incorporar avaliações de experiência do usuário com pessoas idosas; treinamento continuado para equipes sobre atendimento centrado na pessoa.

  1. Barreiras econômicas e de mercado

A economia também cria resistências: mercados de trabalho que penalizam a permanência de pessoas mais velhas, políticas de aposentadoria que desestimulam a requalificação, e serviços voltados apenas para “públicos jovens” deixam um vácuo de ofertas inclusivas. Além disso, desigualdades econômicas acumuladas ao longo da vida aumentam vulnerabilidades na velhice, especialmente para mulheres, negras, pessoas trans e outras populações marginalizadas.

Como enfrentar: políticas de emprego que incentivem retenção e requalificação; programas de microcrédito e empreendedorismo para pessoas idosas; incentivos fiscais para empresas que adotem práticas intergeracionais.

  1. Barreiras tecnológicas

A rápida digitalização de serviços (saúde, bancos, comunicações) pode excluir quem não teve acesso às tecnologias ao longo da vida. Interfaces mal desenhadas, suporte técnico insuficiente e linguagem inacessível fortalecem a sensação de deslocamento. A tecnologia, quando pensada sem inclusão, amplia distâncias em vez de aproximar.

Como enfrentar: design inclusivo com testes com usuários mais velhos; oferta de treinamento digital comunitário; canais de atendimento multiformato (offline e online).

  1. Barreiras relacionais e familiares

No núcleo familiar e nas relações de cuidado, o paternalismo é uma resistência frequente. Falas que minimizam a agência (ex.: “você não entende mais”) e decisões tomadas sem consulta corroem autonomia e autoestima. Além disso, mudanças demográficas e ritmos de trabalho fragmentam redes de apoio, aumentando o risco de isolamento.

Como enfrentar: práticas de comunicação não paternalistas; mediação familiar que promova a escuta; formação em cuidados compartilhados; movimentos que empoderem idosos a participar das decisões sobre sua vida.

  1. Barreiras legais e políticas

Faltam, em muitos contextos, políticas públicas integradas que considerem a gerodiversidade como eixo transversal. Políticas fragmentadas, orçamentos limitados à assistência e ausência de mecanismos de participação social reduzem o alcance de iniciativas transformadoras. A invisibilidade política perpetua a exclusão.

Como enfrentar: advocacy por políticas públicas intersetoriais; criação de espaços de participação que incluam representação de diferentes idades; monitoramento e avaliações participativas de programas.

  1. Barreiras interseccionais

Importante lembrar: as resistências não atuam isoladamente. Uma pessoa idosa que é negra, mulher, pobre, LGBTQIAP+ ou com deficiência enfrenta sobreposições de exclusão. A gerodiversidade só será plena se considerarmos essas especificidades e agirmos com enfoque interseccional.

Como enfrentar: políticas e práticas que tratem desigualdades acumuladas; priorização de grupos mais vulneráveis em programas de inclusão; escuta ativa e co-criação de soluções.

No fim das contas, defender a gerodiversidade é escolher viver em uma sociedade que reconhece histórias, respeita escolhas e celebra todas as idades. Não é um gesto grandioso de vez em quando: são escutas diárias, adaptações simples, convites reais à participação. Quando abrimos espaço para a memória, para a experiência, para a fala, transformamos instituições, ruas e relações. E transformamos, sobretudo, a vida de quem envelhece: de um assunto invisível passa a ser um assunto nosso. Que a história que emocionou Glória Maria nos sirva de lembrete: envelhecer não é perder lugar, é ganhar outra maneira de estar no mundo. Vamos cuidar para que esse lugar exista, com dignidade e com afeto.

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